Por ser um texto muito extenso e muito rico, e por não querer deixar nada de fora, estarei disponibilizando o arquivo completo para download, mas mesmo assim selecionei alguns trechos desse, que repito, muito rico trabalho de Edson Fernandes.
Considero esse o trabalho mais completo, que tive acesso, sobre Cipó e por isso recomendo o download ou se preferirem podem entrar em contato comigo através do meu e-mail: laurounico@hotmail.com , que enviarei para quem tiver interesse.
A CONSTRUÇÃO DA ESTÂNCIA HIDROMINERAL DE CIPÓ
A crença na cura de doenças pelo uso das águas termais de Cipó1 atraiu uma romaria de pessoas ao lugar desde a sua descoberta, mesmo em péssimas condições de viagem pelo sertão e não tendo o lugar, nem seus moradores, recursos para acomodar os peregrinos. Já em 1730, uma carta dirigida ao Vice-Rei do Brasil na Bahia pelo Padre Antônio Monteiro Freire relatava os “ocultos” poderes curativos de tais águas que “por suas extranhas[sic] propriedades curavam radicalmente enfermos desenganados pela medicina” (FREIRE, 1730 apud SALLES, 1943, p. 1) e pedia providências para o seu aproveitamento.
As primeiras construções destinadas ao termalismo na região datam de 1829 e 1831e são, respectivamente, “um estabelecimento de banhos nas fontes da Missão da Saúde (hoje cidade de Itapicurú), a um kilometro da Vila” e “uma casa acomodada ao abrigo dos doentes em Mãe-d’água do Cipó” (FRÓES, 1940, p. 8). De acordo com Adriano Pondé (1923, p.47), “em 1848, o presidente da província [...] mandou dar ao médico diretor a quantia de 800$000 para conclusão da casa que servia de hospital no Cipó” e em 1849, o Dr. Ignácio Moreira do Passo escrevia ao presidente da Província dando por concluída a “casa” que se havia mandado construir em “Mãe d’Agoa do Sipó para residência das pessoas, q’ali fossem tomar banhos”.
A utilização das águas para fins curativos seguiu sem respaldo da medicina até 1843, quando uma comissão proposta pela Faculdade de Medicina da Bahia realizou a análise das propriedades físicas e composição química das águas do Itapicurú, dando ainda indicações do seu uso para diversas doenças4 (cf. BRITTO, 2002; SALLES, 1924). Até 1874, a atuação do médico diretor das águas na manutenção das “Casas da Nação” é afirmada em seus relatórios e o mesmo parece não ter tido substituto após a sua aposentadoria.
O reconhecido valor das águas termais de Cipó e a importância que as estâncias hidrominerais já haviam alcançado na Europa e no Brasil em finais do século XIX não foram suficientes para alavancar o desenvolvimento da estância baiana, que, apesar de diversas tentativas de exploração (cf. SALLES,1943 p.4) e da fama de suas águas, só teria impulso a partir de 1928 com a conjugação dos esforços particulares do médico Genésio Salles com o apoio do Governo do Estado.
Na fala de abertura da 2ª sessão da Assembléia Legislativa Provincial da Bahia, em 1879, o presidente da Província, Antonio de Araújo de Aragão Bulcão, chamava a atenção para o assunto das águas do Itapicurú, que, ao lado das questões de higiene, era o de maior interesse e o que poderia trazer mais resultados benéficos para a saúde pública.
Chamo a vossa illustrada attenção para este importante assumpto, digno da maior solicitude e interesse por parte dos poderes publicos. [...]
Pode-se, pois, dizer que as aguas thermaes do Sipó, aliás dignas de competir com as mais afamadas da França e da Allemanha, estão abandonadas em um deserto, quando n’aquelles paizes, e mesmo entre nós, em Minas, por exemplo, faz-se o possivel por preservar, conservar e tornar proveitosos e procurados esses verdadeiros mananciaes de saúde e vida.
Quando não possamos levantar alli um estabelecimento balneario luxuoso, convem alguma cousa fazer nesse sentido, melhorando as casas existentes e edificando outras com as necessarias accommodações e conforto, conforme os preceitos da sciencia.
O rio Itapicurú tem um leito supplementar, por onde correm as aguas em tempo de enchente. Não será talvez muito difficil e dispendioso, segundo informações que tenho, desviar-lhe para alli o curso normal, afastando-o d’est’arte das vertentes, que ficarão preservadas de desapparecer.
Se estes ou outros melhoramentos puderem ser realisados; se as luzes do vosso saber e patriotismo vos inspirarem ais alguns, como por exemplo, a creação de uma eschola, que vos recommendo, os quaes despertem a animação e chamem a concurrencia para aquella localidade, não há duvida que surgirá alli um centro florescente de população, e tornar-se-hão as vertentes do Sipó uma estação de banhos digna d’este nome, e procurada avidamente pelos que soffrem. São intuitivas as vantagens que provirão d’ahi á provincia, que terá n’esse estabelecimento uma nova fonte de renda.(apud BRITTO, 2002, p. 235-6).
Em 1910, a criação da “Empreza das Águas do Cipó” por Germano de Assis Junior e Manoel Velloso, trouxe alento para o desenvolvimento local com a construção de um balneário e de um edifício com “maquinismos” importados para engarrafamento e “exportação” das águas. Foi outra iniciativa frustrada, pois a contrapartida do Governo de construir uma estrada de acesso ao lugar não foi cumprida.
A indústria de engarrafamento não chegou a funcionar e o edifício entrou em ruína, não tendo sido aproveitado nas tentativas que se seguiram (SALLES, 1943, p. 5).
No início dos anos 1920, passados quase dois séculos das primeiras solicitações, as condições de acomodação e acesso às águas de Cipó permaneciam precárias. Como relata Genésio Salles5 (1924, p. 383-4),
Ao chegar o banhista installa-se em uma pequena casa obtida a custo pela gentileza de um amigo e ahi quase resignado, vai-se habituando ao desconforto daquelles quartos poucos asseiados. Assalta-o desde logo contraste commovedor: o aspecto humillimo do logarejo e a fama das suas águas. [...] Apenas 10 a 11 casas se prestam á hospedagem dos forasteiros; muitos deles arrancham-se como as circumstancias permittem, e é bem curioso ver-se num casebre com dois quartos acommodarem-se tres ou mais familias.
Motivado pelo abandono da concessão por Germano de Assis e na expectativa de novos interessados, o Governo abre uma concorrência pública, em 1921, e a exploração das águas é adjudicada a Vianna Júnior, provavelmente, o primeiro médico a tentar a exploração comercial das águas de Cipó, sobre as quais realizou experiências terapêuticas. Vianna Júnior não consegue cumprir as cláusulas contratuais e perde a concessão anos mais tarde. (SALLES, 1943, p.10).
Diante de várias tentativas frustradas de realizar o aproveitamento das águas de Cipó e do interesse alardeado por Genésio Salles por aquele lugar, em 1928, o Governador Góes Calmon sugeriu que o médico baiano concorresse à concessão que se abriria com a rescisão do contrato com Vianna Júnior. Tendo sido o único candidato a apresentar proposta, Genésio Salles torna-se concessionário das águas de Cipó por 40 anos, em 1928 (SALLES, 1943, p. 11).
Em sociedade com o seu irmão, Américo Salles, Genésio funda a “Empreza Balneária do Cipó” para administrar o empreendimento e seus serviços, de acordo com o contrato de concessão. Dentre as suas obrigações estavam: a construção de um estabelecimento balneário de acordo com “as exigências científicas”; apresentar plantas para aprovação, com detalhes em escala 1/100, dos edifícios7; e construir e manter uma estrada de acesso ao lugar. Em contrapartida, o concessionário gozava de isenção de impostos e podia construir hotéis e casas de diversões; e o Governo se obrigava a manter no local um posto de profilaxia à verminose e a contribuir com a construção da estrada, executando as “obras d’arte”. (APEB, Fundo Secretaria da Agricultura).
De imediato foi construído um Balneário sobre as emergências termais com banheiros, vestiários de madeira – de modo que fossem desmontados antes das cheias do rio – e uma piscina ao ar livre de água termal corrente. O Chalet da família Salles – residência construída por volta de 1913 e que era utilizado em época de férias – foi transformado no Hotel Thermal para atender às obrigações e necessidades imediatas do concessionário.
Diante das dificuldades de acesso a Cipó, Genésio Salles associou-se a comerciantes de Alagoinhas e construiu uma estrada de 144 km de extensão entre aquela cidade e Cipó, organizando também o transporte de passageiros no trecho, a fim de facilitar o acesso dos banhistas desde aquele entroncamento ferroviário.
A inauguração do Balneário de Cipó, em 29 de junho de 1929 (ESTÂNCIA..., 1933b), é um marco no sentido de tornar realidade uma estância hidromineral na Bahia. A partir de então, Cipó transforma-se num ponto de atração cada vez mais forte para curistas e turistas em função das qualidades terapêuticas de suas águas, das melhorias realizadas na estância, da publicidade em jornais e revistas da capital e interior da Bahia e de cidades como Belém, João Pessoa, Recife, Maceió, Aracajú, Rio de Janeiro e São Paulo e da difusão entre as elites da moda de freqüentar estâncias hidrominerais.
Através do decreto nº 9.523, de 16 de maio de 1935, o Governador Juracy Magalhães criou a primeira estância hidromineral no Estado da Bahia ao tornar a Vila do Cipó Estância Hidromineral. O decreto asseguraria as providências necessárias à construção de uma nova cidade, planejada para atender à demanda crescente de “aquáticos”, incompatível com a estrutura da pequena vila e, baseando-se na Constituição Federal (1934), estabelecia que o cargo de prefeito seria “exercido por um funcionário técnico, Engenheiro Civil, da Secretaria da Agricultura, Industria, Comercio, Viação e Obras Públicas”. Sendo assim, o Engenheiro Civil Oscar Caetano da Silva, autor do “Plano de Expansão e Melhoramentos da Vila Balneária do Cipó”, foi designado para exercer as funções de prefeito técnico da estância, a fim de conduzir os trabalhos de construção do núcleo urbano central do distrito-sede – nessa ocasião elevado à categoria de cidade –, tendo permanecido no cargo de 1935 a 1938.
O plano para Cipó é representativo, juntamente com os planos para as cidades de Ilhéus, Pirangy e Itaparica, das realizações feitas no campo do urbanismo pelo Governo Juracy Magalhães, dentro de uma política de desenvolvimento das cidades do interior, que incluía também investimentos na construção de equipamentos públicos e em redes de infra-estrutura urbana.
A criação da Estância Hidromineral de Cipó foi o ato mais importante em favor do desenvolvimento da estância baiana, que, a partir de então, contaria com a atuação direta do Estado, tanto na sua administração quanto no financiamento e construção da cidade balneária. Os anos que se sucederam ao decreto de criação da estância foram de transformações sensíveis para os moradores e visitantes de Cipó, dentre os quais, o próprio Juracy Magalhães.
Portanto, no período de quase quatro anos, entre 1935 e 1938, teve início a implantação do “Plano de Expansão e Melhoramentos da Vila Balneária de Cipó” e foram realizadas obras de abertura e pavimentação de avenidas e ruas, iluminação pública, abastecimento de água, drenagem pluvial, instalação da estação meteorológica, construção da Praça Juracy Magalhães, construção de um Bosque, da Usina Diesel-Elétrica, do Grupo Escolar e do Quartel e Delegacia de Polícia, tendo sido ainda planejados outros edifícios e equipamentos públicos como a Prefeitura, o Mercado, o Matadouro e o novo Cemitério.
Com auxílio do Governo Federal foram realizadas ainda as obras de defesa da cidade contra as cheias na curva do rio Itapicurú pelo Departamento de Portos; foi construída uma pista para pouso de aeronaves, sob fiscalização da Aeronáutica; foram feitos estudos criteriosos das águas por químicos e hidrologistas de renome nacional (doutores Bruno Lôbo e Campos Paiva) e foi designado um engenheiro especialista, do Departamento Nacional de Águas, para estudar o desvio do rio Itapicurú em frente à cidade, a fim de proteger as fontes termais, que perigavam se perder no leito do rio. Além disso, foram realizados incentivos indiretos, como a construção da Rodovia Alagoinhas-Cipó.
Nesse período, nota-se que a afluência de banhistas teve um grande incremento (ver Figura abaixo) devido à atenção dada pelo governo que impulsionou as atividades de divulgação já exercidas pelo concessionário.
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